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30.11.2022
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Carregar um carro elétrico vai ser tão normal como carregar um telemóvel

Autores do primeiro livro sobre Direito da Mobilidade Elétrica fazem comparação entre leis portuguesas e europeias. Veem um risco à eletrificação na falta de instrumentos de regulação nas autarquias para apressar licenciamentos. Mas apontam vantagem do regime nacional, por se focar no utilizador e garantir acesso universal à rede.

Adolfo Mesquita Nunes, Débora Melo Fernandes e João da Cunha Empis lançaram nesta quinta-feira o primeiro livro publicado em Portugal sobre Direito da Mobilidade Elétrica. O Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica resulta de anos de trabalho como advogados da Gama Glória dedicados à área e nele sinalizam os desafios do setor.

Porquê lançar agora este livro sobre o regime jurídico da mobilidade elétrica?


Adolfo Mesquita Nunes (AMN): O setor da mobilidade elétrica está a crescer a um ritmo veloz, apresenta muitas oportunidades de negócio e veio para transformar a mobilidade, o espaço urbano, os hábitos de consumo, as políticas de urbanização e construção e até a forma como as esferas da mobilidade e do setor elétrico se relacionam. Carregar um veículo elétrico vai ser tão natural quanto carregar um telemóvel, e todas as cidades, locais de trabalho e edifícios residenciais terão de adaptar-se. É muito mais do que um tema de mobilidade: há muito de transformador no nosso quotidiano.

Sentiram que havia necessidade de simplificar, de reunir num único sítio toda a informação legal sobre o tema?


Débora Melo Fernandes (DMF): Não existia até agora nenhuma obra que abordasse de forma sistemática e acessível o enquadramento jurídico deste setor. E estando nós a trabalhar há anos nesta área, sentimos que era necessário suprir esta falta. O livro é por isso muito mais do que uma compilação da legislação diversa: ele explica, sistematiza e interpreta de forma acessível e prática toda essa complexa legislação. Aliás, foi por isso que lançámos, em parceria com a Nova School of Law, um curso de Direito da Mobilidade Elétrica, que eu coordenei e que vai agora para a segunda edição.

E quem é o público alvo deste livro? Ou seja, quem é que vai beneficiar mais do manual?


AMN: O público não se limita a juristas, porque esta legislação é utilizada e aplicada por muito outros profissionais que desenvolvem a sua atividade na área dos transportes, da mobilidade elétrica e da energia, quer do lado do setor público quer do lado do setor privado.
DMF: Pensámos, por exemplo, nos decisores públicos, autarcas, gestores, engenheiros, comerciais, professores, investigadores e estudantes de cursos pós-graduados - há todo um ecossistema profissional à volta da mobilidade elétrica.

Dizem que este livro interpreta a legislação. Também existe uma análise crítica ou analítica à regulamentação ou é apenas a reunião de todos os diplomas e sua comparação com o enquadramento europeu?


DMF: Há uma análise crítica, claro: do enquadramento jurídico nacional e europeu da mobilidade elétrica, das atividades da mobilidade elétrica e seu relacionamento, da repartição de competências entre as várias entidades com poderes na matéria, da vertente tarifária da mobilidade elétrica, da composição da rede nacional de mobilidade elétrica e da distinção entre postos de acesso público e de acesso privado, bem como dos temas relativos ao licenciamento urbanístico e ao domínio público.

Tendo em conta a velocidade a que o tema foi evoluindo e a consequente necessidade de legislar para o enquadrar, há temas que estão ainda fora, que não são (e deviam ser) objeto de regulação?


AMN: A regulação vai ter de acompanhar a inovação tecnológica e o desenvolvimento de novos negócios. Por exemplo: smart charging, vehicle to grid, autoconsumo ou plataformas de roaming são realidades que vão carecer, mais cedo ou mais tarde, de algum enquadramento, até para que se possam massificar. E depois, claro, também se desenvolverão soluções que envolvem computação em nuvem, internet das coisas, big data, blockchain e machine learning, que seguramente exigirão novas atualizações.
DMF: Por outro lado, o mercado de carbono abrir-se-á à mobilidade elétrica, tal como previsto na legislação europeia em processo de revisão. Também aí a regulação terá de enquadrar de que forma isso será feito. Além disso, e esta é uma observação muito corrente no setor, é urgente que as autarquias se dotem de instrumentos regulamentares capazes de responder à necessidade de crescimento da rede, que permitam que o licenciamento seja célere e as condições financeiras se adaptem a esta atividade. Sem isso, muita coisa pode ficar pelo papel. E está a ficar pelo papel.

Deste bolo de legislação e regulamentação, houve alguma área que vos tenha surpreendido, nomeadamente pela inovação relativamente a outros regimes ou por se tratar de uma lacuna relevante?


DMF: O modelo português tem a grande vantagem de ser centrado no utilizador e de procurar garantir a universalidade de acesso à rede. Em muitos países não é assim e a experiência de carregamento é mais complicada. Essa opção portuguesa é positiva e aliás antecipa-se às opções europeias que estão agora em discussão no âmbito do pacote Fit for 55. Mas a verdade é que a última alteração relevante ao nosso regime tem oito anos. Ora, em oito anos muita coisa mudou, muitos modelos de negócio surgiram, a inovação tecnológica avançou muito e portanto já se nota que a nossa legislação carece de ser atualizada.

Por comparação com o quadro europeu, Portugal está dentro da média, melhor ou pior no que respeita ao enquadramento jurídico com potencial de dar gás à mobilidade elétrica?


AMN: Portugal começou bem e cedo. Mas, como dissemos, já lá vão oito anos desde que a legislação foi alterada.
DMF: Se não queremos ser ultrapassados - e em vários casos estamos a sê-lo - temos de apressar esta atualização legislativa, assim como envolver as autarquias num modelo de expansão da atividade.

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